“Licenciamento sem transparência não adianta nada”, diz consultor jurídico
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“Licenciamento sem transparência não adianta nada”, diz consultor jurídico

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Por Jéssica Botelho, da Fiquem Sabendo

Oito das 27 unidades da federação (estados e Distrito Federal) não enviam dados para o Portal Nacional de Licenciamento Ambiental (PNLA). A plataforma foi criada em 2005 para sistematizar e divulgar informações referentes a processos de licenciamento ambiental no território nacional, já que são feitos de forma descentralizada por órgãos federais, estaduais e distritais responsáveis pela gestão ambiental no país. O PNLA é uma das formas de atender à Lei de Transparência Ambiental e viabilizar o fortalecimento da gestão pública a partir do controle social.

Quatro estados (Alagoas, Amapá, Roraima e Sergipe) não têm sistemas de informação sobre licenciamento ambiental integrados ao PNLA. Rondônia, Maranhão e o DF afirmaram ter problemas de adequação ao Portal. O Amazonas não atualiza seus dados na plataforma.

O projeto Achados e Pedidos, iniciativa da Transparência Brasil e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com a Fiquem Sabendo e financiamento da Fundação Ford, questionou via LAI os órgãos ambientais dos estados e do DF sobre esta situação.

Dentre os quatro que não têm sistemas de informação sobre licenciamento ambiental integrados ao PNLA, apenas o Amapá respondeu ao pedido por detalhes sobre uma futura integração. Informou que o Sistema de Licenciamento Ambiental da Sema entrou em funcionamento em maio de 2021 e, por isso, “o mesmo ainda não dispõe de informações suficientes para integração com o PNLA.”

Dos que afirmaram ter problemas de adequação ao Portal, dois apresentaram algum tipo de plano para solucioná-los. A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam) afirmou que o sistema online ambiental, que futuramente poderá estar integrado ao PNLA, está em fase de teste até dezembro - de acordo com o cronograma cedido pela Secretaria. Também em processo de ajustes, a plataforma Uratau, do Distrito Federal, passa por adequações para integrar o Portal. A Brasília Ambiental, porém, não informou o cronograma do plano de ação referente ao ajustamento, justificando que “a execução depende de órgãos distintos.”

O Maranhão foi o único que não respondeu ao pedido de informação de forma satisfatória, de modo que não foi possível compreender qual a situação de integração das informações sobre licenciamento ambiental no estado junto ao Portal.
Em resposta ao pedido de informação, o Amazonas apresentou como justificativa para a não atualização dos dados o fato de os processos ainda serem feitos por meio físico e manual. Afirmou que não há um plano de ajustamento ao PNLA, uma vez que o órgão responsável, Ipaam, atende aos critérios de transparência em seu próprio site. Em 2018, um inquérito civil do MPF apurou que o estado não possuía um sistema informatizado de gestão ambiental; na ocasião o Ipaam usou a mesma justificativa.
 
Embora o PNLA indique que os dados de Ceará e São Paulo estão desatualizados, os órgãos ambientais dos estados responderam aos pedidos via LAI dizendo que os problemas técnicos que ocasionaram o atraso foram resolvidos e que as atualizações necessárias foram feitas.
 
Fonte rica, mas pouco acessível
Além de reunir bancos de dados sobre empreendimentos e licenças ambientais no país, o Portal também disponibiliza informações sobre legislação, audiências públicas e estudos para compreensão do tema. Quanto às funcionalidades do PNLA para acessar os dados, o sítio eletrônico se mostra pouco prático. Existem três interfaces de consulta: a principal, com vários filtros para refinamento da busca; a de mapas, onde é possível gerar visualizações gráficas do processo de licenciamento por estado e por ano; e a de informações ambientais a partir das coordenadas geográficas.

Apesar das orientações que constam no próprio site, o portal não é intuitivo. Por exemplo: quando aplicados, os filtros de seleção retornam resultados com disparidade de período de atualização e quantidade de processos registrados cuja razão não é compreensível. Também não foram encontradas estatísticas gerais de cada estado, bem como endereço eletrônico dos órgãos ambientais estaduais responsáveis pela alimentação de dados. Já na interface de mapas, só é possível gerar visualizações de dados sobre 15 estados e sobre o Ibama.

Aplicação da LGPD também afeta transparência sobre licenciamentos
O Ministério do Meio Ambiente informou, em resposta a pedido de LAI, que os dados de pessoas físicas passaram a ser mascarados a partir de julho deste ano em decorrência da adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e os “dados das pessoas jurídicas continuam sendo mostrados normalmente, de acordo com o preenchimento que é realizado no órgão licenciador”.

Com nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental, transparência estará ainda mais arriscada
Depois de tramitar por 17 anos, o texto-base do projeto de lei que atualiza o licenciamento ambiental brasileiro (PL 3729/04) foi aprovado pela Câmara dos Deputados em maio deste ano e aguarda votação no Senado, onde está sendo discutido nas Comissões de Meio Ambiente e Agricultura. O propósito da reformulação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental é articular redução de custos e burocracias para aprovação de licenças com novos desafios socioeconômicos. Controverso, o PL foi objeto de 100 emendas (propostas de alteração) durante a votação.  

Movimentos sociais e ambientalistas criticam o projeto de lei. A organização Conectas Direitos Humanos, por exemplo, listou oito pontos problemáticos do PL 3729, como o enfraquecimento da participação de órgãos ambientais federais no processo de licenciamento e a responsabilização por danos ao meio ambiente. Para Maurício Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (Isa), a autodeclaração do próprio empreendedor com concessão automática da licença ambiental, sem qualquer avaliação prévia do órgão ambiental, representa um sério risco para o processo de licenciamento no Brasil: “O texto aprovado vai desconstituir o licenciamento como instrumento de prevenção de impactos ambientais que tem por objetivo a sustentabilidade de empreendimentos, ou seja a realização de atividades econômicas respeitando parâmetros ambientais e direitos sociais”.

Outro fator de preocupação apontado por Guetta é que a mudança nas regras de licenciamento vai impactar diretamente na transparência ambiental: “Ao delegar a estados e municípios todas as definições sobre licenciamento ambiental, o projeto de reformulação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, na verdade, amplia o problema de transparência, uma vez que o licenciamento automático será a regra geral”.  

Saiba mais sobre o licenciamento ambiental
A Política Nacional do Meio Ambiente, criada em 1981, estabeleceu o  licenciamento ambiental como um dos instrumentos para controle da degradação ambiental. É um procedimento administrativo pelo qual devem passar todas as  atividades ou empreendimentos baseados na exploração de recursos naturais que possam provocar impacto no meio ambiente e na sociedade. É operado por órgãos federais, estaduais e distritais responsáveis pela gestão ambiental no país - a responsabilidade de cada um é regulamentada pela Lei Complementar Nº140/2011.

A gestão do meio ambiente, no Brasil, é feita por meio de uma integração entre políticas, sistemas e órgãos públicos. Sendo o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) a principal estrutura que agrega diferentes mecanismos, órgãos e instituições públicas, tanto do  governo federal quanto dos estados e Distrito Federal. O PNLA também é uma forma de  atender à Lei de Transparência Ambiental que trata do acesso público a informações e dados dos órgãos que integram o Sisnama. E, assim, viabilizar a transparência ambiental e o fortalecimento da gestão pública a partir do controle social.

Mesmo com a existência de políticas norteadoras para instrumentalizar o processo de licenciamento ambiental no país, cada órgão ambiental tem autonomia para definir etapas, regras e critérios do procedimento. Em razão disso, há um cenário diversificado que explica a necessidade de sistematização e integração das informações sobre a regulamentação de empreendimentos com impacto ambiental em um portal como o PNLA.