Infrações ambientais por queimadas chegam a R$ 20 milhões em 2021
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Infrações ambientais por queimadas chegam a R$ 20 milhões em 2021

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Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Reportagem: Jessica Botelho, Fiquem Sabendo

Dados obtidos pelo projeto Achados e Pedidos, iniciativa da Transparência Brasil e Abraji, em parceria com a Fiquem Sabendo e com financiamento da Fundação Ford, mostram que os autos de infração ambiental por queima de vegetação já alcançam o valor total de R$ 20 milhões. Mato Grosso, Amazonas e Paraná acumulam as maiores multas. Embora seja necessário um processo de investigação até que a multa seja paga, os autos de infração apontam a destruição em curso.


O uso do fogo é uma tecnologia que remonta o passado milenar de povos tradicionais, utilizado como ferramenta de técnicas agropastoris e, hoje, existem programas de Manejo Integrado do Fogo (MIF) que levam em consideração aspectos culturais, sociais e ambientais da aplicação de pequenas doses de fogo. O uso do fogo torna-se um problema quando passa a ser feito de forma descontrolada e violando as regras ambientais. No Brasil, os incêndios florestais são provocados por uma combinação de fatores climáticos e queima de vegetação. Os incêndios já queimaram ao menos uma vez, desde 1985, um quinto do solo brasileiro, totalizando uma área de 1.672.142 km² do território nacional - equivalente a 234 campos de futebol, de acordo com os dados sobre o impacto da destruição causada pelo fogo do monitoramento do MapBiomas.  

A incidência de queimadas no país se concentra entre os meses de julho a outubro. A “temporada do fogo” é um período que requer atenção especial em ações de prevenção, combate e fiscalização, pois a utilização do fogo só pode ser feita com autorização dos órgãos competentes, como o Ibama a nível federal e as secretarias estaduais de meio ambiente. A legislação brasileira prevê aplicação de multas (de R$ 1.000,00 reais a R$ 10.000,00 reais de acordo com a área destruída, calculada em hectares) e até detenção por provocar incêndios florestais.  

O Auto de Infração Ambiental (AIA) é o início de um procedimento administrativo relacionado a um crime ambiental, quando os órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental emitem um registro sobre o ato infracional. Embora seja parte fundamental no processo de promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, existe um caminho até que o auto de infração se converta em multa paga. Uma vez instaurado o processo administrativo, ocorre a investigação e o julgamento do ato infracional.

Uma nota técnica do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais (Lagesa), ambos da UFMG, indica fatores que influenciam na responsabilização de infratores ambientais. Mudanças na legislação ambiental, falta de recursos humanos, principalmente de analistas ambientais, e regras que provocam morosidade no julgamento das infrações levaram a redução da quantidade de autos de infração por desmatamento na Amazônia.  

No primeiro semestre de 2021, foram 1.448 autos de infração emitidas pelo Ibama no total, divididos em 14 tipos de infração, tais como controle ambiental, quando o infrator apresentou informação falsa em sistema oficial de controle; crimes contra fauna e flora, no que o tráfico de animais silvestres e o descumprimento de planos de manejo sustentável são as principais ocorrência; e licenciamento, quando o infrator executa algum tipo de atividade sem a devida autorização. Deste total, 17 são por uso indevido de fogo, com o valor total de cerca de R$ 20 milhões. Em 2020, foram 9.057 infrações por crimes ambientais registradas pelo Ibama, das quais 239 multas, totalizando cerca de R$ 425 milhões, foram por queima de vegetação.  

Em 2021, as infrações registradas pelo Ibama por queima de vegetação foram cometidas em 7 estados. O Mato Grosso foi o estado com maior valor total acumulado, duas ocorrências, em março, por destruição de 2.440 hectares de floresta amazônica com uso de fogo, somam R$ 18 milhões em multas. Seguido pelo Amazonas, onde a mesma pessoa,  Beijamim dos Santos, foi autuada três vezes por uso indevido de fogo no município de Manicoré, totalizando um valor de R$ 837 mil reais. Em terceiro lugar, o Paraná teve apenas uma infração no valor de R$ 396 mil reais referente à destruição de 43 hectares de Mata Atlântica, com o agravante de atingir espécies ameaçadas de extinção e de ser uma área em estágio de recuperação.

Problemas na transparência ambiental
Em nível estadual, problemas na estruturação de dados referentes à fiscalização ambiental prejudicam a análise de infrações por queima de vegetação. O projeto Achados e Pedidos solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), dados sobre multas e autuações ambientais nos últimos anos aos estados do Amapá. Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará.

O Mato Grosso é um dos Estados com os índices mais alarmantes sobre queimadas florestais. O estado abriga parte dos três biomas mais prejudicados anualmente pelo fogo: Amazônia, Cerrado e Pantanal. A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso informou os números de infrações emitidas entre 2018 e 2021: o total de multas registradas no período de janeiro a maio de 2021 já representa 47% do total de 2020.

O Amapá registrou um aumento significativo de infrações ambientais em 2018, 2019 e 2020, foram 93, 187 e 261, respectivamente. A Secretaria de Meio Ambiente do Amapá não informou sobre os dados registrados em 2021, afirmando que as informações “não estão catalogadas e/ou planilhadas, nem para controle interno”. Outro problema é que a secretaria não descreve a infração ou indica a legislação referente às infrações cometidas nas listas obtidas via LAI. Em consulta posterior, o órgão informou que a base jurídica para emissão de infrações ambientais é o Código Ambiental do Amapá (Lei Complementar Nº 05/1994). Ainda assim, nenhuma das infrações registradas se refere a queima de vegetação.

No Amazonas, o Ipaam registrou apenas uma infração por uso indevido de fogo cometida em abril de 2021, foram 48 mil hectares de floresta nativa queimados no município de Humaitá. Em 2020, foram duas multas no valor de R$ 60 mil cada, também em Humaitá.

O Maranhão não respondeu aos pedidos feitos. O Portal da Transparência da Secretaria do Meio Ambiente, apesar de manter registros de infrações do ano de 2021, não há nenhuma menção a uso indevido de fogo em seus 196 registros de autos de infração. Também não foram encontrados dados dos anos anteriores.

O Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (Imasul), órgão  responsável pela gestão ambiental no estado, respondeu que não possui sistema informatizado dos autos de infrações: “os processos de auto de infração ainda são físicos, não existindo informações compiladas.” A Polícia Militar Ambiental (PMA) do Mato Grosso do Sul coordena ações de prevenção aos incêndios florestais no âmbito da Operação Prolepse. De acordo com dados da PMA, de fevereiro a julho foram emitidos 53 autos de infração, totalizando o valor de R$ 10.099.374,80 em multas aplicadas por uso indevido de fogo em áreas rurais de 19 municípios do estado. A área total atingida pelas queimadas ultrapassa 9 mil hectares.

O Pará criou a Lista de Desmatamento Ilegal (LDI) para divulgar informações sobre as áreas desmatadas no estado e combater violações da legislação ambiental, a LDI inclui um sistema de informações onde é possível consultar as áreas com desmatamento ilegal. No entanto, mesmo consultando o detalhamento do processo, não encontramos dados específicos sobre autuações por queimadas nas áreas desmatadas.

Entraves na fiscalização
Fundamental para combater os crimes ambientais, a fiscalização do Ibama tem sido prejudicada em paralelo  aos crescentes índices de desmatamento e queimadas florestais. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou problemas significativos na governança da política de controle do desmatamento e redução de sanções administrativas nos últimos anos. O TCU verificou, ainda, que discursos do Poder Executivo Federal desqualificam o trabalho de órgãos ambientais envolvidos na prevenção de ilícitos e provocaram aumento de ameaças a situações de violência contra agentes de fiscalização.

Um fiscal ambiental, que solicitou anonimato por medo de retaliação, conta como rotina das operações contra desmatamento  mudou: “Em tempos anteriores, todas as vezes que o desmatamento aumentava, simples conversas e chamamentos arrebanhavam uma quantidade de servidores suficientes para diminuir o desmatamento, sem gastos exorbitantes com GLO. Hoje a administração tenta impor a força que os fiscais fiquem em campo, ao mesmo tempo em que ameaça assediando, é um paradoxo.”

Mudanças nas pastas ambientais têm causado desconforto e problemas na gestão ambiental brasileira. Os principais cargos de direção são ocupados por militares e atos normativos, por exemplo a Instrução Normativa Conjunta Nº 01 do Ministério do meio Ambiente/Ibama/ICMBio, passaram a dificultar a fiscalização e o julgamento de infrações ambientais. Além disso, servidores públicos dos três órgãos denunciaram assédio moral coletivo ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público do Trabalho.

O fiscal ambiental ouvido por esta reportagem relata que a execução das ações fiscalizatórias são prejudicadas pelo assédio moral sofrido: “É comum atualmente que os colegas façam o mínimo possível, não deixando de agir completamente, mas não agindo como foram as ações em tempos sem o assédio. Podemos dizer que os Agentes Ambientais de Fiscalização (AAF), fazem seu serviço por gostarem, e terem orgulho do que fazem, não deixando de lado o profissionalismo.”

Uma nota técnica, elaborada em conjunto por organizações indígenas e pesquisadores do Ipam Amazônia, aponta que para diminuir a vulnerabilidade das terras indígenas na temporada de incêndios florestais neste ano é preciso “fortalecer as ações de fiscalização ambiental, principalmente nas áreas    onde foram identificadas  altas taxas    de risco de fogo.”

Vidas ameaçadas
As consequências dos incêndios florestais são sentidas por todos. Em nível global, os eventos de mudança climática têm sido mais recorrentes e intensos. No entanto, durante a temporada do fogo, milhares de vidas são diretamente impactadas pelas queimadas.

A dificuldade para respirar provocada pelo novo coronavírus foi acentuada pela fumaça e partículas tóxicas que se espalham pelo vento. Uma análise feita pela Infoamazônia revela que o número de internações por Covid-19 e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) aumentaram nos Estados da Amazônia Legal Brasileira. A exposição a poluentes tóxicos combinada à falta de estrutura médica adequada na região impôs sérias dificuldades durante a pandemia.

A pesquisa Acre Queimadas registrou devastação causada por uso indiscriminado do fogo em uma área total de 45 mil hectares até o dia 22 de agosto de 2021. No mesmo período do ano anterior, as queimadas no estado atingiram 64 mil hectares. Um relatório da pesquisa  aponta que 14 dos 22 municípios acreanos já têm a qualidade do ar comprometida por presença de partículas tóxicas acima do limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Para Sonaira Silva, coordenadora do Acre Queimadas, a fiscalização ambiental é fundamental para conter os danos causados pelo fogo: “A fiscalização inibe as ocorrências a curto prazo, mas é preciso ter um plano de gestão sobre o fogo para que o manejo agrícola possa ser feito de forma responsável e normatizada e, assim, reduzir as chances de incêndios e os impactos em danos ambientais e econômicos.”

As vidas animais também são seriamente ameaçadas pelas queimadas no Brasil. Um estudo de pesquisadores da Unicamp, UFMG e Ipam aponta que cerca de 90% das espécies de animais e plantas da Amazônia foram impactadas pelo fogo. Em 20 anos, o fogo já destruiu 60% do território original de algumas espécies. Acuados pelo fogo, os animais que sobrevivem, geralmente, fogem para perímetros urbanos. É o caso do filhote de tamanduá-mirim (espécie Tamandua tetradactyla) encontrado sem a presença da mãe em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. O animal foi resgatado pela Polícia Militar Ambiental que monitorava um incêndio em um território indígena próximo à cidade.